"11 de setembro de 2001, por volta das 12h30min eu caminhava pela rua 13 de Maio, no centro de Curitiba, quando vi em uma televisão de um bar a imagem de uma explosão seguido pelo desabamento de uma torre. Assustado parei para assistir e tentar entender o que acontecia. Aquela era a reprise de um ataque que havia acontecido há poucos minutos no centro de Manhattam, milhares de quilômetros de onde eu morava".
Agora pergunto:
Você lembra onde você estava, ou o que estava fazendo quando aconteceu o ataque às Torres Gêmeas? Ou quando o Brasil venceu a Copa do Mundo de futebol 2002? Ou ainda quando o Internacional foi Campeão Mundial de Clubes?
Agora você lembra onde estava, ou o que estava fazendo no dia 1º de fevereiro de 2011? Ou no dia 11 de novembro de 2011 (11/11/11)? Ou mesmo no dia que César Ciello conquistou a medala de ouro para 50m e 100m nado livre no mundial de natação de 2009?
Acredito que muitas pessoas irão lembrar de onde estavam ou do que faziam em pelo menos uma das três perguntas do primeiro parágrafo. Agora a chance das pessoas lembrarem do que faziam ou de onde estavam para qualquer uma das três perguntas do segundo parágrafo é menor. Mas... Qual a diferença entre as perguntas? Por que recordamos melhor de algumas datas e de outras não?
A resposta se resume em uma palavra: emoção. Já há algum tempo que neurocientistas e psicólogos sabem que eventos carregados emocionalmente são lembrados com mais facilidade. É como se a emoção criasse uma marca em nossas memórias fazendo com que perdurem mais. Isso pode ser tanto para memórias agradáveis (emocionalmente positivas) quanto para memórias desagradáveis (emocionalmente negativas). Serve também para o contexto, eventos com contexto emocional carregados positiva ou negativamente serão recordados com mais facilidade, isso justifica o fato de recordamos do que fazíamos e onde estávamos, por exemplo, no 11 de setembro.
Mas qual a novidade disso? Por que essa "lenga-lenga" toda? Isso tudo é para explicar um trabalho publicado em 2010, mas que li apenas ontem. O artigo intitulado: Offline consolidation of procedural skill learning is enhanced by negative emotional content. de autoria de um grupo de pesquisadores britânicos, mostra que o conteúdo emocional, especialmente o negativo, pode influenciar a consolidação de memórias procedurais também.
Também porque como vimos acima, já se sabia que o contexto emocional influencia a consolidação de memórias declarativas. O que não se sabia é que memórias não-declarativas (entre elas as procedurais) também podem ser influenciadas pelo contexto emocional.
Para concluir isso os pesquisadores realizaram uma modificação bastante inteligente em um teste bastante conhecido. O teste é o "mirror-tracing task" ou em português "tarefa do traçado espelhado" (tradução minha). Resumidamente, a tarefa consiste em desenhar o traçado de uma estrela sendo que para isso, o sujeito irá observar os movimentos de sua mão através de um espelho. Sendo assim, movimentos para a direita representam traçados para a esquerda. A figura 1 apresenta um esquema do teste e também as curvas de aprendizagem para três dias consecutivos (clique aqui para descobrir a origem da figura).
A modificação realizada pelo grupo de pesquisadores britânicos foi a troca da imagem. Para avaliar o contexto emocional eles substituíram a imagem da estrela por imagens emocionalmente positivas, negativas e neutras (conforme a figura 2) e aí ensinaram e treinaram os sujeitos no desenho dos traçados das figuras. Assim eles tiveram três grupos, um para cada conteúdo emocional. Em seguida, eles dividiram os sujeitos em grupos de acordo com três intervalos diferentes de retenção, um contendo 12h de vigília, outro de 12h contendo pelo menos 6h de sono e outro de 24h também contendo pelo menos 6h de sono
Com um total de 9 grupos o que eles notaram foi que os sujeitos que treinaram o traçado espelhado das figuras dos monstros tiveram melhor desempenho após qualquer intervalo de retenção, mais interessante ainda, foi notar que aqueles que os sujeitos do grupo com contexto emocional negativo e intervalo seguido por sono tiveram o melhor desempenho geral no teste. Ou seja, o sono, juntamente com o contexto emocional negativo, ajudou os sujeitos a consolidar uma memória não-declarativa.
Figura 2. Exemplos dos traçados utilizados para a tarefa do traçado espelhado. Os monstros "venceram". |
A conclusão final do trabalho é que o contexto emocional em que determinada habilidade é aprendido pode impactar na consolidação dessa memória. Daí a brincadeira do título!
Apesar do trabalho apresentar resultados e conclusões bastante interessantes cabe aqui uma crítica. Os pesquisadores não utilizaram nenhum tipo de ferramenta para avaliar se os sujeitos realmente dormiram. Sendo assim um viés experimental perigoso.
Fica a dica para os próximos estudos.
Javadi, A., Walsh, V., & Lewis, P. (2010). Offline consolidation of procedural skill learning is enhanced by negative emotional content Experimental Brain Research, 208 (4), 507-517 DOI: 10.1007/s00221-010-2497-7Update 12/03/2012
Preparei um Prezi para apresentar no grupo de discussão do Laboratório de Cronobiologia Humana - UFPR.
Você pode conferir a apresentação aqui:
Texto muito interessante Beja, parabéns!
ResponderExcluirValeu Gaucho! Muito obrigado pela leitura e comentário.
ResponderExcluirUm abraço.