Começo de ano letivo é sempre a mesma história, adolescentes sonolentos e pais estressados fazendo de tudo para tirar os filhos da cama. O título deste texto pode ser a frase mais dita pelos adolescentes nas primeiras semanas de aula. Por que? Muito provavelmente por causa do "Atraso de Fase de sono da adolescência".
O que é esse atraso de fase de sono? E qual sua relação com a adolescência?
Primeiro vamos entender o atraso de fase de sono. Esse termo é uma descrição pomposa para dizer que há um atraso no ritmo sono/vigília. Ou seja, há um atraso nos horários de início de sono e de despertar. Existe até alguns casos mais extremos no qual pode se classificar como a síndrome da fase atrasada de sono mas esse não é o caso dos adolescentes!
Segundo, a relação do atraso de fase de sono com adolescência é que justamente durante essa fase da vida as pessoas naturalmente tendem a atrasar seus horários, daí o nome atraso de fase de sono da adolescência. Então que venham as perguntas inevitáveis: Por que durante a adolescência? Por que atrasar e não adiantar? Isso termina com o final da adolescência?
Os parágrafos a seguir tentarão responder todas essas perguntas, mas antes, recomendo a leitura do texto sobre os processos de regulação do sono, o processo "C" e o processo "S".
Porque durante a adolescência? E por que atrasar e não adiantar?
Esse atraso de fase parece ser relacionado ao desenvolvimento puberal. Quando cientistas compararam o horário de dormir com os estágios de amadurecimento propostos por Tanner (1962) pesquisadores observaram que juntamente com o aumento do desenvolvimento puberal ocorre um atraso nos horários de dormir e acordar. Mas o que explica essa mudança de comportamento?
Uma possível explicação é que adolescentes mais maduros seriam menos sensíveis a pressão homeostática do sono (processo "S" de regulação do sono), o que atrasaria o início do sono. Interessante notar que apesar de possuírem uma menor pressão de sono, a dissipação do processo "S" não difere. Trocando em miúdos, os adolescentes demoram mais para iniciarem o sono, mas continuam precisando de 8:30-9:30h de sono para dissipar a pressão homeostática. Essa hipótese é baseada principalmente nos trabalhos da psicóloga Mary Carskadon e colaboradores.
Outra possibilidade é que adolescentes tenham o período endógeno circadiano com maior duração, cerca de 24.27h. Isso implica em dizer que para os adolescentes o dia teria um pouco mais que 24h de duração, daí a dificuldade em se ajustar. Essa seria a participação do processo "C" de regulação do sono no atraso de fase de sono da adolescência.
Esses dois são os principais fatores biológicos associados ao atraso e explicam sua associação com a adolescência assim como a razão pela qual os indivíduos atrasam e não adiantam seus horários.
No entanto, é sabido que a adolescência não é apenas uma etapa de mudanças biológicas. Mudanças comportamentais e sociais também fazem parte do desenvolvimento e possuem papel fundamental no atraso de fase de sono da adolescência. Diversos estudos indicam a participação dos fatores sócio-culturais e comportamentais para uma redução de até 120 minutos na duração de sono durante os dias letivos. Pode-se listar aqui hábitos como o uso de eletrônicos (computador, vídeo-game, telefone celular) na cama, também deve-se considerar o horário do início das aulas (7h30min na maioria das cidades brasileiras) e a alta carga de atividades acadêmicas (trabalhos, tarefas de casa e provas).
Em síntese, o atraso de fase de sono da adolescência é consequência de mudanças biológicas relacionadas ao desenvolvimento (aquelas associadas ao processo "S" e ao processo "C" de regulação do sono) e de mudanças comportamentais que são influenciadas por fatores sociais.
Isso termina com o final da adolescência?
Aparentemente sim, é o que indica um estudo liderado pelo pesquisador alemão Till Roenneberg que sugere o final do atraso de fase de sono como um marcador para o final da adolescência. Segundo o estudo, que usou dados de cerca de 25 mil pessoas, há uma variação ontogenética nos ritmos biológicos, o que quer dizer que não mudamos apenas os horários de dormir e acordar, mas mudamos também outros ritmos ao longo da vida, havendo um atraso acentuado dos ritmos a partir dos 10 anos de idade até os 20 anos, momento em que haveria uma diminuição nesse atraso e consequente adiantamento dos ritmos. Para avaliar isso o estudo usou um questionário de Munich para avaliação do cronotipo. Você pode acessá-lo gratuitamente aqui e ainda fazer parte dos estudos do grupo do Till (já fiquei íntimo!)
E quais são as consequências do atraso de fase de sono da adolescência?
Evidentemente que a primeira consequência percebida é a diminuição das horas de sono dormidas (débito de sono) e em seguida o aumento da sonolência diurna. Com possíveis reflexos no desempenho escolar, saúde, e acidentes nos adolescentes.
Há alguma solução para isso?
Algumas soluções já estão sendo testadas, entre elas o uso de programas educacionais para ajudar os adolescentes a melhorar os hábitos de sono e consequentemente seus padrões de sono e diminuir a sonolência diurna. Nosso grupo de pesquisa publicou recentemente um trabalho no qual mostra que simples intervenções educacionais (com palestras e atividades interativas, porém de curta duração) não apresentam eficácia na mudança de comportamento. O trabalho pode ser acessado aqui.
Dentre outras alternativas está a mudança dos horários escolares, na verdade o atraso no horário de início das aulas. Alguns estudos indicam que atrasar o horário de início das aulas pode significar o aumento da duração de sono dos adolescentes, diminuição da sonolência, melhora no humor e até diminuição no número de atraso às aulas.
Efetivamente, atrasar o início das aulas parece a melhor solução, porém, tal medida não é tão simples de ser tomada visto que há uma série de fatores logísticos a serem avaliados, entre eles o transporte dos alunos até a escola.
Enquanto as mudanças não ocorrem, seguiremos ouvindo a famosa frase: "Só mais dez minutos!"
Referências:
1- Tarokh L, Raffray T, Van Reen E, & Carskadon MA (2010). Physiology of normal sleep in adolescents. Adolescent medicine: state of the art reviews, 21 (3) PMID: 21302851 Outra possibilidade é que adolescentes tenham o período endógeno circadiano com maior duração, cerca de 24.27h. Isso implica em dizer que para os adolescentes o dia teria um pouco mais que 24h de duração, daí a dificuldade em se ajustar. Essa seria a participação do processo "C" de regulação do sono no atraso de fase de sono da adolescência.
Esses dois são os principais fatores biológicos associados ao atraso e explicam sua associação com a adolescência assim como a razão pela qual os indivíduos atrasam e não adiantam seus horários.
No entanto, é sabido que a adolescência não é apenas uma etapa de mudanças biológicas. Mudanças comportamentais e sociais também fazem parte do desenvolvimento e possuem papel fundamental no atraso de fase de sono da adolescência. Diversos estudos indicam a participação dos fatores sócio-culturais e comportamentais para uma redução de até 120 minutos na duração de sono durante os dias letivos. Pode-se listar aqui hábitos como o uso de eletrônicos (computador, vídeo-game, telefone celular) na cama, também deve-se considerar o horário do início das aulas (7h30min na maioria das cidades brasileiras) e a alta carga de atividades acadêmicas (trabalhos, tarefas de casa e provas).
Em síntese, o atraso de fase de sono da adolescência é consequência de mudanças biológicas relacionadas ao desenvolvimento (aquelas associadas ao processo "S" e ao processo "C" de regulação do sono) e de mudanças comportamentais que são influenciadas por fatores sociais.
Isso termina com o final da adolescência?
Aparentemente sim, é o que indica um estudo liderado pelo pesquisador alemão Till Roenneberg que sugere o final do atraso de fase de sono como um marcador para o final da adolescência. Segundo o estudo, que usou dados de cerca de 25 mil pessoas, há uma variação ontogenética nos ritmos biológicos, o que quer dizer que não mudamos apenas os horários de dormir e acordar, mas mudamos também outros ritmos ao longo da vida, havendo um atraso acentuado dos ritmos a partir dos 10 anos de idade até os 20 anos, momento em que haveria uma diminuição nesse atraso e consequente adiantamento dos ritmos. Para avaliar isso o estudo usou um questionário de Munich para avaliação do cronotipo. Você pode acessá-lo gratuitamente aqui e ainda fazer parte dos estudos do grupo do Till (já fiquei íntimo!)
E quais são as consequências do atraso de fase de sono da adolescência?
Evidentemente que a primeira consequência percebida é a diminuição das horas de sono dormidas (débito de sono) e em seguida o aumento da sonolência diurna. Com possíveis reflexos no desempenho escolar, saúde, e acidentes nos adolescentes.
Há alguma solução para isso?
Algumas soluções já estão sendo testadas, entre elas o uso de programas educacionais para ajudar os adolescentes a melhorar os hábitos de sono e consequentemente seus padrões de sono e diminuir a sonolência diurna. Nosso grupo de pesquisa publicou recentemente um trabalho no qual mostra que simples intervenções educacionais (com palestras e atividades interativas, porém de curta duração) não apresentam eficácia na mudança de comportamento. O trabalho pode ser acessado aqui.
Dentre outras alternativas está a mudança dos horários escolares, na verdade o atraso no horário de início das aulas. Alguns estudos indicam que atrasar o horário de início das aulas pode significar o aumento da duração de sono dos adolescentes, diminuição da sonolência, melhora no humor e até diminuição no número de atraso às aulas.
Efetivamente, atrasar o início das aulas parece a melhor solução, porém, tal medida não é tão simples de ser tomada visto que há uma série de fatores logísticos a serem avaliados, entre eles o transporte dos alunos até a escola.
Enquanto as mudanças não ocorrem, seguiremos ouvindo a famosa frase: "Só mais dez minutos!"
Referências:
2- Hagenauer, M., Perryman, J., Lee, T., & Carskadon, M. (2009). Adolescent Changes in the Homeostatic and Circadian Regulation of Sleep Developmental Neuroscience, 31 (4), 276-284 DOI: 10.1159/000216538
3- Giannotti, F., & Cortesi, F. (2009). Family and Cultural Influences on Sleep Development Child and Adolescent Psychiatric Clinics of North America, 18 (4), 849-861 DOI: 10.1016/j.chc.2009.04.003
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